quarta-feira, outubro 17, 2007

Não se passa nada


Nem valia a pena perguntar, que ela não respondia. Fechada num mutismo surdo, sentava-se ali muitas vezes. Nos dias de chuva, espreitava através da janela, afastando ligeiramente o cortinado. A respiração embaciava a vidraça, mas ela parecia não se importar. Ficava ali horas a fio, olhinhos fixos vá-se lá saber onde. Por vezes saía à rua. Ia ao pão, ou às batatas. Passinho miúdo rua abaixo, olhos postos na calçada. Mal a viam passar. Só quando deixou de se pôr à janela e de embaciar a vidraça deram por ela. Ou melhor, pela falta dela. Tocaram-lhe à porta, quiseram saber. Sentada no cadeira, mãos postas no regaço, a todos dava a mesma resposta: não se passa nada. Mas eles bem sabiam que algo se passava. E perguntavam, mas ela respondia: não se passa nada. Um dia, com maior insistência, quiseram ficar, acompanhá-la ao jantar. Levantou-se a custo. Atrás dela, um cheiro a rosas velhas manchou o ar. Quando entraram na cozinha, a panela fervia sem dono. Nunca mais a voltaram a encontrar.

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